quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CONTAS ELEITORAIS: SE A CONTA NÃO BATER ?

















CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONTAS ELEITORAIS
E DO ARTIGO 30-A DA LEI N.º 9.504/97



Carla Cristine Karpstein-Advogada Especialista em Direito Eleitoral

O Direito Eleitoral é um dos ramos do direito brasileiro que mais se modificou nos últimos anos, até mesmo pela necessidade de regulamentar, quase que anualmente, a realização de eleições alternadas nas três esferas da federação, majoritárias e proporcionais. E ninguém desconhece que, embora o exercício da democracia não se esgote no sufrágio, este é, sem dúvida, sua manifestação mais efervescente.


Nessa linha, as contas de campanha vêm sendo objeto de atenção especial da Justiça Eleitoral já há algum tempo. A própria edição da Lei n.º 9.504/97, com uma série de normas de arrecadação e gastos eleitorais, já destacava a importância de se clarificar a parte financeira das campanhas, visando coibir o abuso de poder econômico e o oferecimento de benesses ao eleitor em troca do voto.
A necessidade de controle do abuso do poder econômico nas eleições constitui-se em uma preocupação mundial, de modo a observar-se previsão de normas destinadas ao controle da movimentação econômica de partidos e candidatos em campanha e prestação de contas na legislação de diversos Estados, a exemplo do Canadá, Espanha, França e Alemanha.
A prestação de contas das campanhas eleitorais no Brasil vêm se tornando mais rigorosa a cada eleição, acompanhando a alteração de pensamento dos Tribunais em relação ao abuso de poder econômico na busca do voto.
O cerne de toda a questão relativa às finanças de campanha é, indiscutivelmente, a corrupção. Busca-se, com o rigor em relação às contas eleitorais, evitar-se a corrupção. E foi com esse foco que o TSE, já na Resolução que regulamentou as eleições gerais do ano de 2002, estabeleceu a possibilidade de propositura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, Recurso Contra Expedição de Diploma e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo quando da desaprovação de contas de campanha, quando identificado o abuso de poder econômico, repetindo tal determinação na Resolução TSE 21.069, que atendia as eleições municipais de 2004.
Nas eleições gerais de 2006, a Resolução TSE 22.250, na linha de tornar mais rígidas as normas eleitorais, estabeleceu que, além da possibilidade de Investigação Judicial Eleitoral no caso de desaprovação de contas, a não apresentação de tais contas implicaria na impossibilidade de obtenção da certidão de quitação eleitoral (documento indispensável para o registro de candidatura) durante o curso do mandato ao qual concorreu o candidato.
Ou seja, aquele que não apresentasse suas contas – e tal situação muito ocorria já que não existia nenhuma forma de punição para o candidato inadimplente – não poderia registrar candidatura durante quatro anos.
Além dessa penalização, também incluiu a vedação dos partidos políticos assumirem as dívidas de campanha não quitadas de seus candidatos, com o objetivo de tornar mais transparente a movimentação financeira.
Porém, no ano de 2006 tivemos eleições gerais no país, onde os principais candidatos a Presidente da República deixaram enormes dívidas eleitorais, impossíveis de ser quitadas, o que levou o TSE a relativizar a aplicação da proibição que sua própria Resolução determinou, qual seja, a assunção de dívidas eleitorais pelos partidos políticos, interpretando-a no sentido de vigência apenas a partir das eleições municipais de 2008.
Então, no ano de 2008, através da edição da Resolução 22.715, tivemos o regramento mais rígido no que dizia respeito às contas eleitorais. Nessa Resolução, além da vedação de assunção de dívidas pelos partidos e a impossibilidade de obtenção de quitação eleitoral para aquele que não apresentasse suas contas, também o candidato que tivesse suas contas desaprovadas ficaria impossibilitado de obter a quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu. Nesse momento, o Direito Eleitoral Brasileiro chegou o mais próximo da efetivação dos princípios da verdade real e da transparência, tendo em vista que o candidato que arriscasse maquiagem financeira em seus números, ou tivesse ainda utilizado recursos não contabilizados – caixa 2 – ficaria inelegível por 4 anos, no mínimo.
As eleições municipais do ano de 2008 foram as que mais geraram discussão, interesse e receio por parte dos candidatos no que tange à prestação de contas. E o motivo é óbvio: a impossibilidade de reeleição por conta da ausência de quitação eleitoral.
O Poder Legislativo e o TSE, a partir da discussão acerca da verticalização de coligações, vem estabelecendo uma espécie de competição acerca da elaboração e interpretação das normas eleitorais. A Lei 12.034/09 é uma prova disso. Em que pese ter incorporado a maioria das disposições previstas nas Resoluções do TSE das últimas três eleições, eliminou justamente aquelas que davam força à prestação de contas da campanha eleitoral.
Além do abrandamento das regras relativas à prestação de contas partidária, não incorporou ao seu texto a grande inovação da impossibilidade de obtenção de quitação eleitoral para aqueles candidatos que tivesse contas desaprovadas, bem como liberou a possibilidade do partido político assumir as dívidas de campanha de seu candidato
Assim sendo, qual é a razão que levará o candidato a tratar sua prestação de contas com a seriedade e rigor que ela necessita, se não existe nenhuma sanção àquele que possui suas contas desaprovadas? Na prática, a aprovação e desaprovação são equivalentes no texto da Lei 12.034/09, que alterou o regramento da Lei n. 9.504/97. Assim, temos grande retrocesso na transparência tão necessária aos valores recebidos e aos gastos realizados pelos candidatos e partidos nas eleições, condição essencial ao exercício livre da cidadania.
Além das grandes discussões acerca da efetividade da prestação de contas, a Lei 11.300/2006 (posteriormente alterada pela Lei n.º12.034) incluiu na Lei das Eleições o artigo 30-A, que prevê expressamente a cassação do registro ou do diploma do candidato que praticar condutas em desacordo às normas relativas à arrecadação de campanha e aos gastos eleitorais.
No que tange ao alcance do artigo 30-A nos cabe algumas considerações. Quando de sua inclusão na Lei, baseado em projeto de iniciativa popular, tinha como objetivo ser rápido e efetivo em extirpar do cenário eleitoral aquele candidato que cometeu qualquer tipo de abuso ou falsidade na administração financeira de sua campanha. Tanto assim era que sua sanção é a cassação do registro e do diploma, sem imposição de inelegibilidade, o que por si só afastaria a necessidade de se aferir potencialidade à conduta irregular capaz de alterar a igualdade de oportunidades entre os candidatos em uma eleição.
Inicialmente, ressalte-se que o alcance do artigo 30-A é absolutamente restrito; a prestação de contas, ato meramente formal, não fornece dados ou informações que possam ser analisados pelo artigo 30-A. Por primeiro, porque as informações ali incluídas são de responsabilidade do próprio candidato, que certamente não incluirá um eventual caixa 2 de campanha ou qualquer gasto em desacordo com a legislação eleitoral, em que pese o princípio da boa fé.
Por segundo, qualquer irregularidade financeira que possa embasar a Representação do artigo 30-A apenas chegará ao conhecimento dos legitimados ativos por denúncia ou peculiaridades do caso concreto. O caso do ex-Deputado Federal Juvenil Alves é pedagógico para entendimento das dificuldades de delineamento do art.30-A.
No citado precedente
[1], o então deputado teve um de seus escritórios alcançados por um mandado de busca e apreensão, resultante de operação específica da Polícia Federal que não tinha vinculação com a campanha eleitoral na qual ele havia concorrido, onde foram apreendidos computadores e documentos que demonstraram a existência de caixa 2, recursos recebidos de fontes vedadas, bem como gastos irregulares de campanha. Apenas dessa forma chegou ao conhecimento do Ministério Público Eleitoral as impropriedades perpetradas pelo citado candidato, que só assim pode ser Representado e cassado.
Da mesma forma, grande parte dos casos de Representação do artigo 30-A tiveram como fonte de provas denúncias acerca de Caixa 2 ou gastos irregulares, em sua maioria de ex-colaboradores das próprias campanhas e já passado tempo razoável da eleição.
Em terceiro, a exigência de proporcionalidade entre o ato ilícito praticado e sua importância no conjunto da administração financeira da campanha torna a efetivação do artigo 30-A de difícil realização. Os próprios Tribunais Regionais Eleitorais tem dificuldade em delimitar o alcance e as formas de comprovação da previsão do referido artigo.
A Lei Complementar 135/2010 – chamada de Lei dos Fichas Limpa – só tornou a situação ainda mais grave, ao estabelecer, além da perda de registro ou diploma já prevista em Lei, inelegibilidade de 8 anos para aqueles que forem condenados por arrecadação e gastos irregulares de campanha.
No Direito Eleitoral, as situações de abuso de poder podem implicar cassação de registro ou diploma e imposição de inelegibilidade, mas sempre exigiram do ato abusivo praticado potencialidade suficiente para alterar a igualdade de oportunidade nas eleições. Sua caracterização é mais complexa e, por tal razão, sua sanção é mais grave.
Com a inclusão dos ilícitos relativos à administração financeira das campanhas eleitorais no rol gravíssimo estabelecido pela Lei Complementar 135/2010, a tendência doutrinária e jurisprudencial é estabelecer a necessidade de potencialidade – que a lei chama de “gravidade do ato” – para aplicação da sanção, o que desvirtua o objetivo inicial da inclusão do artigo 30-A (e também do art.41-A) que era a subtração rápida e eficaz do candidato infrator.
Por derradeiro. A delimitação do prazo de 15 dias após a diplomação para proposição da Representação do artigo 30-A o tornou praticamente inaplicável. E tal fato não está vinculado à prestação de contas propriamente dita, já que para fundamentação dos ilícitos do 30-A sequer necessitamos de desaprovação das contas, mas sim à dificuldade de comprovação das práticas ilícitas previstas no artigo.
Assim, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral quanto a inexistência de prazo decadencial para propositura da citada Representação – o prazo seria o fim do mandato – nos parece a tese mais correta, como se aplicava até a edição da Lei n.º 12.034. Mesmo porque o transcurso de prazo entre a eleição e o aparecimento de indícios e provas acerca do 30-A é sempre bem mais dilatado que os míseros 15 dias de prazo previstos na Lei.
Tendo em vista tal quadro, a importância da existência de sanção para aqueles que tiverem contas de campanha desaprovadas é essencial; o receio da punição – ausência de quitação eleitoral durante o mandato ao qual concorreu – restabeleceria a relevância da prestação de contas como forma eficaz de combate ao abuso nas eleições. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral aparar as injustas arestas.


[1] TSE - RECURSO ORDINÁRIO 1.596/MG- Relator Ministro Joaquim Barbosa.

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